1971. Anos de
chumbo liderados pelo carrasco Emílio Garrastazu Médici. Com 9 anos de idade, a
vida de Marcelo Rubens Paiva é alterada para sempre pela ausência do pai, seqüestrado,
torturado, morto e desaparecido nos porões da ditadura, e sem que nunca, até
então, os militares tenham confirmado o assassinato e entregue o corpo para a
família velar. Não é um caso isolado, infelizmente, e é por isso que a Comissão
Nacional da Verdade foi criada em 2012 para apurar crimes e desaparecimentos do
período. Eu só vou nascer em 1984. Já conheço um habitat que se encaminha para
a redemocratização via Sarney (importante salientar o caráter fétido da
liderança, efetivada pelo vice-presidente eleito que foi o que ficou VIVO e que
está vivo até hoje – QUE COISA!). Só sei o que é sentir prazer em uma leitura a
partir dos idos de 2000, quando me deparei com um capa dura envelhecido,
cheirando a mofo e naftalina. Uma ilustração um tanto pessimista: Uma taça
caída e quebrada, o provável champagne derramado e cacos de vidro estraçalhados
ao redor. E eu, que antes só tinha lido ou ouvido falar em réveillons e feliz
ano novo, me surpreendo com o Feliz Ano Velho – Marcelo Rubens Paiva. Senti uma contemporaneidade tão vibrante na
escrita e um drama tão latente naquela realidade, capazes de também me fazerem
sentir paralisada do pescoço para baixo. É um prazer tardio, eu lamento, mas
ainda assim é um prazer que valeu a pena por toda a espera. Em certa medida, o
meu prazer e encantamento estão ligados à dor e ao drama vividos e escritos por
Marcelo Rubens Paiva. Mas este encontro já foi há tanto tempo que eu talvez nem
devesse estar tentando lembrar das minhas impressões, não fosse pelo fato novo
divulgado ontem pela imprensa, de documentos confidenciais encontrados que põem
fim a uma angústia familiar e que podem ser o começo de um encontro com a verdade,
a memória e com sorte, com a justiça. Pelo amor literário que ganhei com o
livro, sinto que ele talvez não tivesse existido se lá atrás, em 1971, o crime
não tivesse ocorrido, e lá em 1982, o livro não tivesse sido publicado. E
sabendo agora das recentes informações agregadas à história, fico tocada pelo
fervilhamento de sentimentos e idéias que isto provocaria no meu jovem
autor/personagem. Pelo compromisso com a História, sinto um otimismo no sentido
de resgatar hiatos obscuros da memória historiográfica oficial. E pela
espera(nça), sobretudo por Justiça, me
emociona pensar na vivacidade da dor e do luto (que depois do preenchimento de
certos critérios como ter a certeza de morte e um corpo para despedir-se) pode
finalmente ser concluído. Enquanto pessoas insistirem na memória, no não
esquecimento, haverá procura e demanda por verdades e haverá a possibilidade de
se fazer justiça. Eu queria que o Marcelo Rubens Paiva escrevesse, um dia,
sobre um feliz ano novo. Não porque eu pense que todo livro tenha de ter um
final feliz e espere que ele um dia saia andando com seus movimentos todos
recuperados, mas porque a memória de um pai recebeu a dignidade de ser
arquivada com o devido respeito que ela merece.
"Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome, cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo Cores! Passeio pelo escuro eu presto muita atenção no que meu irmão ouve. E como uma segunda pele, um calo, uma casca, uma cápsula protetora. Ai, eu quero chegar antes pra sinalizar o estar de cada coisa, filtrar seus graus... Eu ando pelo mundo divertindo gente, chorando ao telefone. E vendo doer a fome nos meninos que têm fome"...Adriana Calcanhoto
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Também o livro foi um dos mais marcantes que li.
ResponderExcluirE qual a minha surpresa ao ver o Marcelo Rubens Paiva super atuante no twitter, irônico,engraçado, lúcido, Nelson Rodrigues do seu tempo, inclusive quanto às crônicas do futebol.
Adoro
Beijos
PATI BOLNER