sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Encontrei o pai do meu primeiro livro!


1971. Anos de chumbo liderados pelo carrasco Emílio Garrastazu Médici. Com 9 anos de idade, a vida de Marcelo Rubens Paiva é alterada para sempre pela ausência do pai, seqüestrado, torturado, morto e desaparecido nos porões da ditadura, e sem que nunca, até então, os militares tenham confirmado o assassinato e entregue o corpo para a família velar. Não é um caso isolado, infelizmente, e é por isso que a Comissão Nacional da Verdade foi criada em 2012 para apurar crimes e desaparecimentos do período. Eu só vou nascer em 1984. Já conheço um habitat que se encaminha para a redemocratização via Sarney (importante salientar o caráter fétido da liderança, efetivada pelo vice-presidente eleito que foi o que ficou VIVO e que está vivo até hoje – QUE COISA!). Só sei o que é sentir prazer em uma leitura a partir dos idos de 2000, quando me deparei com um capa dura envelhecido, cheirando a mofo e naftalina. Uma ilustração um tanto pessimista: Uma taça caída e quebrada, o provável champagne derramado e cacos de vidro estraçalhados ao redor. E eu, que antes só tinha lido ou ouvido falar em réveillons e feliz ano novo, me surpreendo com o Feliz Ano Velho – Marcelo Rubens Paiva.  Senti uma contemporaneidade tão vibrante na escrita e um drama tão latente naquela realidade, capazes de também me fazerem sentir paralisada do pescoço para baixo. É um prazer tardio, eu lamento, mas ainda assim é um prazer que valeu a pena por toda a espera. Em certa medida, o meu prazer e encantamento estão ligados à dor e ao drama vividos e escritos por Marcelo Rubens Paiva. Mas este encontro já foi há tanto tempo que eu talvez nem devesse estar tentando lembrar das minhas impressões, não fosse pelo fato novo divulgado ontem pela imprensa, de documentos confidenciais encontrados que põem fim a uma angústia familiar e que podem ser o começo de um encontro com a verdade, a memória e com sorte, com a justiça. Pelo amor literário que ganhei com o livro, sinto que ele talvez não tivesse existido se lá atrás, em 1971, o crime não tivesse ocorrido, e lá em 1982, o livro não tivesse sido publicado. E sabendo agora das recentes informações agregadas à história, fico tocada pelo fervilhamento de sentimentos e idéias que isto provocaria no meu jovem autor/personagem. Pelo compromisso com a História, sinto um otimismo no sentido de resgatar hiatos obscuros da memória historiográfica oficial. E pela espera(nça), sobretudo por    Justiça, me emociona pensar na vivacidade da dor e do luto (que depois do preenchimento de certos critérios como ter a certeza de morte e um corpo para despedir-se) pode finalmente ser concluído. Enquanto pessoas insistirem na memória, no não esquecimento, haverá procura e demanda por verdades e haverá a possibilidade de se fazer justiça. Eu queria que o Marcelo Rubens Paiva escrevesse, um dia, sobre um feliz ano novo. Não porque eu pense que todo livro tenha de ter um final feliz e espere que ele um dia saia andando com seus movimentos todos recuperados, mas porque a memória de um pai recebeu a dignidade de ser arquivada com o devido respeito que ela merece.

Um comentário:

  1. Também o livro foi um dos mais marcantes que li.
    E qual a minha surpresa ao ver o Marcelo Rubens Paiva super atuante no twitter, irônico,engraçado, lúcido, Nelson Rodrigues do seu tempo, inclusive quanto às crônicas do futebol.
    Adoro
    Beijos
    PATI BOLNER

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