segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Relato de Caso



Zero grau (O°C). Vento, chuva e neblina cortando a orelha, ressecando a pele e rachando os lábios. É noite de sábado. Você tem certeza de que só o pijama apeluciado é que te ganha no duelo entre "o que fazer". Tudo bem, nada mal! Um filme qualquer e dorme-se cedo. E esse é o ponto! É o que vai te definir no dia seguinte, quando se teria a manhã toda para dormir preguiçosamente. Eu não sei bem o porquê, mas os anos a fio que se seguem da adolescência te empurram pra hábitos bem mais bohêmios e sedentários do que saudáveis e proveitosos. Eu tô mudando, pô! Ou apenas experimentando um outro estilo de vida. Só que o domingo apela pra alguma coisa a mais. A ostra já tá pequena e monótona e então a decisão tomada tem de ser mais drástica. O termômetro sobe. Cinco graus (5°C). Uma ensolarada manhã de domingo. Levanto da cama e me arrumo, pé por pé, constrangida em contar qual é o plano, tão avesso. -Sim, mãe! É isso mesmo, vou caminhar! E daí? Não se pode caminhar sozinha? Tá, dá um tempo, não preciso convencer ninguém do que eu vou fazer! Óculos de sol, manta no pescoço, luvas, fone de ouvido. É quase um disfarce (eu não seria facilmente reconhecida). Vou lá! A farda é complexa e demorada. Calça o tênis e vai. São 10:30 da manhã. Que silêncio nas ruas! Deve ser até perigoso, eu acho, de tão deserto. Começa a entrar nas narinas um tal de ar puro, no ouvido, um tal de silêncio puro. -Esqueceu, pô! No celular tem música! Detono, porque o silêncio é tanto que já se torna irritante. Com sorte, radialistas e comunicadores devem ter folga, e escolhem um disco pra tocar do início ao fim. Rock gaúcho (que me é sempre simpático). Nenhum de Nós, êba! "Eu caminhava e sentia que o tempo passava, eu caminhavaaa..." Atravessa rápido e não perde o píque, cantarola junto, que ninguém tá vendo. - Cacete! Esse celular tem um volume que eu nem imaginava, me sinto no show ao vivo. Sincronizo as passadas com as batidas da música. "A calçada não é pai, não é mãe, não é nadaaa..." E o ar puro que entra e sai, entra e sai, até que seja bruscamente interrompido pelo bafo quente do couro temperado de galinha assando circularmente na televisão de cachorro! Eu nem imaginava que tinha tanto público e paladar pra frango assado, não mesmo! E teretetê é uma ninhada de galinha girando. Lá se vai a impressão de momento saudável. Que inspiradas mais cheias de tempero, credo! Ok, decide-se voltar. E quando se decide voltar, é muito patético. Tu escolhe um ponto sem qualquer justificativa lógica e dá meia volta, só isso! "Camila-a, uouu, Camila, Camilaaa..." Já está acabando. Tu conseguiu! Ahh, garota! Dá uma coisa, e saltitando com um quê de orgulho de si mesma, uma superação daquilo que sempre te dominou, te determinou, te escravizou. - PREGUIÇA, cadê você?! Eu já ouvi falar mesmo dessas coisas de exercícios que liberam sei que lá de hormônios de prazer, mas daí a acreditar... tsc, tsc, tsc... Sempre com o pé atrás! Mas a música é tua, a rua é tua, o ar é teu, a pulsação é tua e o frio até passou! Só agradeço o frango assado, obrigada, hoje não! Não dói, não arde, não mata e sinceramente, dá até uma peninha do pulmão por queimar um cigarro antes mesmo de entrar em casa. Mas também daí já seria demais, né!!!


Roberta Santos
20/08/2011.

Um comentário:

  1. É, eu também to orgulhoso de ti viu, que progresso. Tudo o que tu faz é rico. Como tu já me dissestes, "adoro ler-te"!

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